Este blogue consta de uma compilação de retratos da natureza e intervenção humana em ambiente rural e urbano que O Cidadão abt vai capturando com a sua objectiva durante as caminhadas, será despejada neste blogue de muitos pixeis e poucos bitáites, dando ao ciberleitor a possibilidade de clicar sobre cada uma das fotos e de seguida na tecla F11 para melhor as poder desfrutar em ecrã total... Ligue o som e... passe por bons momentos!



sexta-feira, 10 de setembro de 2010

ALCOLOBRE


Encaixada num vale cavado entre os concelhos de Abrantes e Constância correm as águas da ribeira do Alcolobre com origem a sul da aldeia das Bicas, para a qual contribuem a ribeira da Perna Seca, a ribeira das Bicas e a ribeira de Carvalhal na mesma linha de água, e o ribeiro de Caldelas, na margem esquerda. 













 É um vale frondoso, carregado de lendas e misticismo, bastante rico em flora e fauna que noutros tempos albergava a mata Dalcolura, indo-se espraiar na lezíria da Coutada antes mergulhar nas águas do Tejo.













Nela encontramos diversas azenhas abandonadas, encaixadas em desfiladeiros apertados onde se formam pequenas cascatas.












Hoje, apenas a Azenha do Amaral  foi recuperada.













As copas das árvores unem-se formando túneis sombrios chamados de galerias ripícolas.
Nesse frondoso vale brotam fetos, medronheiros, zambujeiros, amieiros, freixos, salgueiros e pilriteiros.













Nestas paragens eventualmente podemo-nos cruzar com galinhas de água, cobras, rãs, e facilmente damos com vestígios e dejectos de texugos e lontras que se ocultam perante a nossa aproximação.




















A progressão é feita pelo interior da vegetação densa em que as silvas impõem ordem à fila indiana e nos moderam os ímpetos de exploração.
Alguns troços são vencidos sobre condutas artesanais de água que se designam por levadas, cuja missão é dirigirem as águas para as azenhas em ruína ou transpondo as margens progredindo de rocha em rocha, num teste às sinestesias.
Há uns anos, os habitantes da aldeia das Bicas, a montante da ribeira, queixavam-se que as noites eram assoladas por gritos lancinantes de um ser alado e de grande porte que assaltava as capoeiras saqueando as galinhas e chupando o sangue ao gado ovino, deixando algumas cabeças feridas de morte.
Estas pessoas passaram algum tempo vivendo amedrontadas sob a  ameaça do terrível “chupa-cabras”, meio humano, meio bicho.
Era nada mais, nada menos do que o bufo real, enorme ave de rapina noctívaga e em vias de extinção. Numa das subidas do Alcolobre o nosso grupo de visitantes supôs ter sido surpreendido por este espécimen que levantou voo por entre as copas das árvores, vergastando violentamente a folhagem e formando uma sombra majestosa, bem superior à galeria ripícula.
 Através das águas límpidas podemos avistar peixes de pequeno porte na sua azáfama. O marulhar das águas entrecortado pelo chilrear da passarada e o coaxar das rãs induzem à contemplação espiritual de cada um de nós.
 Seguindo as andanças místicas, naquele vale, bem perto da povoação das Bicas, havia um casario misterioso do qual restam vestígios e se designava por Vale da Vila onde habitaram os desafortunados romanos e, nos buracos das rochas ao longo da ribeira, viviam “Os Outros”, um povo oriundo do norte de África, que com poderes sobrenaturais e rodeado de tesouros encantados, metia respeito às populações mais próximas, fazendo com que se afastassem da região, razão para que o povo autóctone a designasse por Ribeira dos Mouros.
Por ali, o misticismo era uma constante.         
 Nessas entranhas raros eram os afoitos que por lá se perdiam ou arriscavam construir as suas habitações. “Os Outros”, com poderes de invisibilidade, só se revelavam aos humanos quando estes eram mal baptizados ou quando o desejavam.
No leito da ribeira há um local bastante profundo, designado de “Poço Negro”, e junto existe uma abertura numa das rochas, chamada ”Buraca da Moura”.
Em verões de tempos idos, aparecia uma moura encantada que, sentada sobre uma rocha que se situava no leito da ribeira e com um pente de ouro alisava os seus longos cabelos, também dourados.
 Tal como aparecia, assim desaparecia no interior do buraco daquela rocha, deixando fascinados os poucos que tinham a sorte daquela maravilhosa visão, pasmando como é que uma rapariga tão linda e singela conseguia viver num espaço tão restrito, até chegado o dia em que uma rapariga mais afoita resolveu aventurar-se naquela fenda, tentando ir ao encontro da linda moura e descobrir o que se passaria no interior daquela rocha.
 Já no seu interior se apercebeu que atrás de si, a rocha se ia fechando suavemente... desatou a correr para o exterior, valendo-lhe ter despido toda a roupa que trazia, ficando com o corpo crivado de chagas, vergastado pelas arestas cortantes das rochas.
















Os anciãos costumavam avisar para que ninguém se atrevesse entrar nos rochedos desde a Caniceira ao Carvalhal, pois toda a extensão da ribeira era habitada pelos “Outros” com os seus fascínios e suas maldições.
Perto da foz da ribeira, precisamente no Carvalhal, encontram-se vestígios de construções que remontam ao tempo dos romanos ou antes disso, visto o local ter sido habitado por gauleses e celtas numa mestiçagem de Galo-Celtas, de que existem vestígios na cruz Celta que encima a igreja do Crucifixo, designação bastante peculiar em que os seus naturais se intitulam de “Carinos”.
Naqueles lendários tempos no lugar do Carvalhal vivia um pastor que guardava o seu rebanho junto às margens da ribeira e ia fazer a sua sesta numa mata onde os troviscos predominavam.
 Durante as noites, o pastor era assaltado por um sonho em que alguém lhe murmurava:

“Vai a Santarém que lá está todo o teu bem”













Tanto o sonho o atormentou que resolveu fazer-se ao caminho de Santarém, quando subindo a Calçada da Atamarma, em direcção à cidade, tropeçou, dando cabo de uma bota. Já na cidade, procurou um sapateiro para o qual desabafou:

“Veja bem, há tanto tempo que ando a sonhar que, se viesse a Santarém encontraria todo o meu bem e afinal rebentei com uma bota”

Respondeu-lhe o sapateiro:

“O senhor ainda acredita em sonhos? Ando há tanto tempo a sonhar que na ribeira do Alcolobra anda um pastor com um rebanho e, debaixo de um trovisco...













 ...onde um bode capado faz a sesta, está um pote cheio de dobrões de ouro e até se lhe vê o rebordo de tanto o bode rapar a terra para se tombar.”

O pastor logo pensou tratar-se do seu bode preto! Em silêncio e depois de concertada a bota, regressou ao Carvalhal.
No raiar do dia seguinte, mais cedo foi com o gado fazer a sesta, espreitando o bode capado que, sorrateiramente esgravatou o rebordo do pote enterrado debaixo do trovisco, deitando-se sobre ele. Assim o pastor do Carvalhal descobriu o tesouro em dobrões de ouro consoante o sapateiro de Santarém lhe descrevera do sonho!